NIILISMO
Nihil Ilustration |
Em geral, vemos o niilismo associado a outras ideias, denotando seu
vazio inerente. Por exemplo, niilismo político seria mais ou menos
equivalente ao anarquismo, repudiando a crença de que este ou aquele
sistema político nos conduziria ao progresso, o qual não passaria de um
sonho mentiroso. O niilismo moral equivaleria à negação da existência de
referenciais morais objetivos, ou seja, de valores bons ou maus em si
mesmos. O niilismo epistemológico, por sua vez, seria a afirmação de que
nada pode ser conhecido ou comunicado. Portanto, vemos que associar
qualquer noção ao niilismo não é exatamente um elogio, mas algo como
colocar ao seu lado uma placa dizendo: aqui não há nada — principalmente nada do que se acredita haver.
Nihil Ilustration II |
Nós, entretanto, nos ocuparemos principalmente do niilismo existencial,
ou seja, a postura segundo a qual a existência, em si mesma, não tem
qualquer fundamento, valor, sentido ou finalidade. Segundo o niilismo
existencial, tudo o que existe carece de propósito, inclusive a vida.
Todas as ações, todos os sentimentos, todos os fatos são vazios em si
mesmos, desprovidos de qualquer significado. Nessa ótica, viver é algo
tão sem sentido quanto morrer, e estamos aqui pelo mesmo motivo que as
pedras: nenhum. Essa parece ser a categoria mais fundamental de
niilismo, em relação à qual os demais tipos tomam o aspecto de casos
particulares. Os niilismos moral e político, por exemplo, podem
claramente ser deduzidos do niilismo existencial — pois, se a própria
existência não tem valor, isso implica que nada tem valor, inclusive
valores morais, inclusive o progresso.
Nihil Ilustration III |
O único modo de compreender o niilismo existencial é através da
reflexão. O vazio da existência nunca poderia ser demonstrado através da
prática, ou apreendido por meio da experiência imediata. Se, por
exemplo, reduzíssemos nosso planeta a nada com bomba nuclear, isso não
demonstraria coisa alguma. A visão desse planeta despedaçado também não
provaria nada. Tal postura destrutiva prática faz pouco sentido, pois
equivale a tentar refutar um livro queimando-o. O niilismo existencial
se demonstra quando reduzimos o homem a nada, e para isso basta possuir
algum talento intelectual aliado à honestidade, pois o esvaziamento da
existência é a mera consequência de a entendermos. Não precisamos
degolar a humanidade inteira para provar que a vida carece de sentido.
Para reduzir o homem a nada, e compreender que isso demonstra o
niilismo existencial, temos de apreender o vazio objetivo da existência —
sendo óbvio que, na condição de sujeitos, só podemos fazê-lo
subjetivamente. O problema é que, no processo demonstrar que a
existência é vazia, somos o próprio vazio que estamos tentando apontar —
tentamos explicar que nós próprios não temos explicação. Parece
paradoxal, mas não é. Bastará que consigamos entender nós próprios como
um fato, e o niilismo se tornará praticamente uma obviedade. Só então
perceberemos que o niilismo não é, como a princípio pode parecer, uma
postura extremada, envolvendo algum tipo de revolta, mas apenas uma
visão honesta e sensata da realidade — uma visão tornada possível em
grande parte devido às descobertas científicas modernas. Com algumas
definições e explicações simples, podemos chegar a uma noção razoável da
ótica apresentada pelo niilismo existencial. Como o argumento é um
pouco longo, vamos por partes. Façamos algumas observações preliminares
sobre por que o niilismo nos parece algo tão incômodo.
Nihil Ilustration IV |
Resistimos ao niilismo não porque ele seja falso, mas porque
reorganizar nossa visão da realidade seria muito trabalhoso. Então, se
colocarmos nossos interesses pessoais de lado, veremos que o que nos
inquieta no niilismo é o fato de que ele nos confronta duramente com
nossa própria ingenuidade, com o fato de termos nos deixado enganar tão
grandiosamente que nossas vidas passaram a depender de mentiras, de
suposições imaginárias. Portanto, percebamos que, quando o niilismo
aponta essas mentiras, ele não está destruindo a realidade, e sim nossas
ilusões. Nessa ótica, o niilismo nada mais é que um exercício de
honestidade e imparcialidade, e apenas esvazia a realidade das ficções
que nunca existiram de fato. Essa honestidade pode ser dolorosa, mas é
um sinal de maturidade. Se a existência, despida de ilusões, nos parece
vazia, saibamos ao menos admitir que a culpa é nossa por termos nos
enchido delas. Se gostamos de nos enganar, tudo bem. Porém, se nosso
interesse for nos tornarmos capazes de lidar com a realidade como
adultos, sempre será preferível aceitar a existência tal qual é em si
mesma, ainda que isso signifique abrir mão de muitas de nossas crenças
mais arraigadas. É preferível viver num mundo sem sentido a acreditar
num sentido falso para o mundo, que aponta para lugar nenhum.
Nihil Ilustration V |
Texto por André Cancian
Alimente sua alma em : http://ateus.net/artigos/filosofia/niilismo/
Nenhum comentário:
Postar um comentário